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Design a favor da superação

Desde que ingressou no universo do design, Anna Luiza Braga sempre se interessou em fazer um link entre a linguagem do design e trabalhos ligados à transformação social e o desenvolvimento pessoal do indivíduo.

A designer, formada em Desenho Industrial pela PUC-Rio, com curso em Arquitetura na Cardiff University, na Inglaterra, e mestrado em Design for Social Innovation pela School of Visual Arts, em Nova York, Estados Unidos, desenvolveu um trabalho que utiliza ferramentas do design para promover o bem estar e melhor qualidade de vida.

A profissional trabalha em parceria com ONGs, como a ABPartners, para a qual desenvolve trabalhos de design direcionados a projetos que promovem impacto social, assim como cria métodos que usam o design como instrumento para auxiliar as pessoas a lidarem com suas dificuldades emocionais, como o projeto SeeKit. 


Projeto Seekit: design para superação

O projeto Seekit é um kit de ferramentas para ajudar estudantes que sofrem de depressão a entender melhor como eles são afetados pelas questões que estão lidando e oferecer instrumentos para ajudá-los a se observarem e, assim, se prepararem para seus altos e baixos de forma mais consciente e estruturada.

Ele foi desenvolvido por Anna Luiza como trabalho de conclusão de curso do mestrado em Design para Inovação Social, e surgiu a partir de sua observação e vontade de ajudar alunos universitários a lidarem melhor com as angústias e inseguranças desta fase da vida.

O psicoterapeuta Richard O’Connor chama a criatividade de “a antítese da depressão”. Ele explica que a busca criativa é sobre autoexpressão e sobre fazer trabalhos que fazem a diferença: “A depressão não é apenas uma doença, mas uma falha da criatividade. Nos diz que não há significado; para nos recuperarmos temos que criar significado para nós mesmos. O’Connor expressou muito bem minha intenção com esse projeto e porquê o considero importante”.

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Anna explica ainda que a faculdade é um momento de transição para a maioria dos estudantes: já que saem de suas zonas de conforto e têm de equilibrar independência com o cuidado de si mesmos, administrando trabalhos escolares, muitas vezes passando a pagar contas e, mergulhando em um novo mundo de pessoas novas e dinâmicas desconhecidas. Tudo isso pode causar uma sensação de deslocamento, insegurança, e resultar em um estado depressivo.

“Quando se está deprimido, parece que toda a energia é drenada e até mesmo tarefas simples podem parecer esmagadoras ou impossíveis de serem realizadas, especialmente para um estudante universitário que está passando por tantas transições na vida”, observa Anna.

A partir disso, a designer começou a se perguntar como poderia ajudar esses estudantes a estarem melhor preparados para essa jornada. A partir da observação, de estudos sobre o assunto, entrevistas e experimentações com um público alvo específico, desenvolveu uma maneira de os alunos explorarem e navegarem suas experiências com a depressão por meio da expressão criativa, através de um kit de ferramentas de autoconhecimento.

“Não é a cura da depressão, nem deve ser considerado uma terapia, mas é um caminho para a consciência e, portanto, uma melhora na qualidade de vida”, explica.

O que compõe o projeto

O kit é formado por cartilhas que conduzem o participante a mapear suas emoções e dificuldades, ajuda os alunos a entenderem melhor como eles são afetados pela depressão, na medida que permite que eles “traduzam”, de forma criativa, suas questões e as tornem visíveis e palpáveis.

Isso possibilita a tomada de consciência e oferece um instrumento de apoio para momentos difíceis.
“O SeeKit é uma maneira de os alunos que passam por dificuldades olharem pra dentro de si mesmos e encontrarem ali a força que precisam para superarem obstáculos”, resume Anna.

Etapas
O projeto foi iniciado com o propósito de buscar entender como a criatividade e o processo criativo poderiam ser utilizados como ferramentas para nos ajudar a conectar com uma parte mais profunda e autêntica de nós mesmos.

“Comecei a refletir sobre como um trabalho assim poderia impactar uma população que está no outro extremo do espectro criativo: pessoas deprimidas”, conta.

O processo de desenvolvimento foi feito de forma iterativa, em que a profissional desenvolvia atividades e propostas e as testava com um pequeno grupo de alunos. A partir do feedback deles, se dava forma ao produto.

Entre muitos projetos que a designer pesquisou durante o desenvolvimento do Seekit, dois dos que mais influenciaram foram o “Lifelines Writing Group” e “Mad Maps”:

Lifelines Writing Group: foi um projeto desenvolvido pelo psicólogo clínico Alan Dienstag e o escritor Don DeLillo para pacientes no estágio inicial de Alzheimer. Os dois concordaram que o grupo não teria nem uma aula, nem terapia, e que o foco do grupo seria na autoexpressão, e que a escrita não seria nem ensinada, nem criticada. O objetivo deles era inspirar os membros a escrever ao estimularem suas memórias e emoções.

Dienstag explicou que o ato de escrever permitiu que os pacientes revelassem e expressassem memórias e questões que eles não conseguiam articular durante a terapia, e sugeriu que “nós deveríamos cercar as pessoas que estão se esquecendo com atos de relembrar.

Mad Maps: desenvolvido pelo Icarus Project, uma rede de apoio desenvolvida por e para “pessoas que experienciam o mundo de formas que são frequentemente diagnosticadas como doenças mentais”, são “documentos que criamos para nós mesmos para lembrar dos nossos objetivos, sinais pessoais de dificuldades e estratégias para o bem-estar”.

Inspirados pela ideia de advanced medical directives, ou Diretivas Antecipadas de Vontade, o projeto incentivava que fossem criados documentos que os ajudassem a definir e entender suas jornadas com doenças mentais e para superar momentos de crise em suas vidas. Os documentos, frequentemente criados de formas criativas, tinham a intenção de servir não só para os usuários que os criaram, mas também para familiares e amigos que os apoiam, no momento de tomarem conta deles, quando eles não forem capazes de fazer isso por si mesmos.

Durante o desenvolvimento do projeto, Anna ainda conduziu entrevistas e abriu diálogos, não só com o público-alvo do projeto, mas também com profissionais de saúde mental, professores e também com pessoas mais velhas, que sofreram depressão quando estavam na faculdade. Além da pesquisa em livros, sites, blogs pessoais, entre outros.

A partir dessas experiências (e de muitas outras não relatadas aqui) foi iniciado o desenvolvimento de atividades criativas que pudessem ajudar o público-alvo a entender como a depressão os afeta e como podem se preparar para lidar com os altos e baixos que a depressão pode trazer.

Resultados e aplicações
As sessões realizadas e aplicadas até agora foram individuais, devido ao desejo de privacidade do aluno. No entanto, existe grande potencial para o trabalho ser feito em pequenos grupos. Anna também diz que é uma maneira de fazer o projeto alcançar um número maior de alunos no futuro.

Próximos passos
A designer tem a ideia de desenvolver parcerias com serviços de saúde e aconselhamento de universidades, para que eles forneçam kits para os alunos e se tornem facilitadores do workshop.

Há também a possibilidade de desenvolvimento de uma plataforma digital, em que os alunos podem encomendar o kit e fazer a sessão de instrução através de uma série de vídeos.

“Mas a longo prazo, acredito que é realmente importante que se construa uma comunidade que conecte os alunos e que eles possam compartilhar suas experiências uns com os outros. Porque é importante que eles reconheçam que não estão sozinhos em suas lutas, e que a depressão é mais comum do que todos pensamos”, finaliza.

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