Design Social

O Design como Produção Social

design como produção social
(Foto: Reprodução).

Nas universidades, os estudantes de design são ensinados que, no campo do design e da arte, a criação ou concepção de um artefato artístico ou industrial é concebido de forma individual, isto é, o autor, isento de qualquer influência externa, criaria de forma inovadora e através de determinada metodologia, o “melhor” artefato possível, seja ele material ou imaterial, para um cliente.

Além disso, a produção desse artefato deveria gerar valores de trocas mercantis, precisaria ter aplicações práticas relacionadas diretamente aos anseios da indústria e do mercado, enfim, deveriam ser “melhores” para simplesmente aumentarem as vendas e os lucros de determinado demandante.

Essa é uma forma de entendimento histórica do que é o design a partir de uma lógica capitalista, que sempre esteve presente nos ensinamentos do design, e é proveniente de uma era industrial onde o designer é o projetista idealizador de uma peça “original e inovadora” que deve ser replicada em grande escala por máquinas operadas por pessoas sem especialização. Se observarmos essa lógica, podemos identificar duas vertentes dentro do campo do design que definem a forma de pensar/praticar design: 

O design a partir da ótica carismática

O artefato ou objeto de design desenvolvido é defendido pelos profissionais e professores do campo do design como algo dotado de uma “magia” que só os designers são capazes de fazer. É como se apenas os designers poderiam criar objetos “melhores” através de pequenos detalhes na ergonomia de um objeto, uma “cor maravilhosa” no “lugar certo”, uma “bossa aqui no canto”.

Essas “melhorias” podem transformar um objeto qualquer em um “objeto de design”. Esse objeto de design não é apenas belo e funcional, ele é “carismático”, é “melhor”, pois possui uma qualidade especial que o diferencia, faz despertar a simpatia do observador/comprador.

Atualmente, esses mesmos profissionais e professores, pertencentes ao meio acadêmico do design, afirmam que o verdadeiro objeto de design é obtido por aquele que seguiu a uma metodologia projetual que só os designers possuem. E esse objeto de design, embora não seja considerado um objeto artístico, sempre é visto como um objeto carismático, dotado de algo “a mais” análogos a obras de arte, mas não é arte. 

O design a partir da ótica funcionalista

Outra linha sobre o campo do design diz que é possível empregar uma “metodologia de projeto” para a confecção de objetos de design para resolver problemas de uso dos artefatos industriais. Assim, o designer olharia para um objeto com “problemas” de uso, e iria redesenhá-lo para uma forma mais amigável, através de mudanças nos aspectos ergonômicos e/ou estéticos do projeto. Para que esse objeto de design seja “autêntico”, ele deve ser funcional e estruturado através de normas e regras, uso de grids ou malhas geométricas que justifiquem seu modo de criação.

Essa linha funcionalista aproxima o design das ciências exatas, onde o modelo projetual poderá definir o sucesso do resultado final do objeto de design.

Se pensarmos dessa forma tão objetiva, o design poderia ser feito por qualquer pessoa que soubesse a determinada metodologia, seria um trabalho puramente técnico e se aproximaria dos processos produtivos racionais empregados pela sociedade industrial.

O design a partir da ótica social

Já perceberam como o termo “Design Social” está na moda no mundo contemporâneo, onde a preocupação com questões sociais e ambientais estão cada vez mais em evidência no nosso cotidiano?

Essa definição por si só já busca se destacar como se fosse um modo diferente de se praticar o design. É como se os anseios da sociedade por melhorias em relação às carências econômicas de determinada comunidade tivessem o inovador “design social” como solução e não o “design tradicional”. A curiosidade e a complexidade desse tema me fez pesquisar em artigos científicos de modo a entender um pouco o seu contexto e o seu pertencimento ao campo do design.

Antes de mais nada, devemos entender um pouco sobre o termo “complexo social”. O complexo social já envolve os aspectos ambientais, econômicos e culturais de uma determinada sociedade, e não apenas a forma mais falada baseada no senso comum, de “social”, que seria apenas a carência de recursos financeiros de comunidades; a exclusão dos indivíduos detentores de alguma deficiência; a despreocupação com os aspectos ecológicos na produção de bens de consumo; e a marginalização das características culturais pertencentes a diversos grupos da sociedade. 

Não é de hoje que os designers demonstram preocupação com questões ambientais e sociais. Victor Papanek, autor de diversos livros, já em 1970, defendia a prática de um “design responsável”, focado em populações mais carentes financeiramente.

Ele defendia que o design deveria levar em conta a natureza e seus recursos, dando prioridade a materiais recicláveis para emprego nos produtos projetados. Essa preocupação dos designers com a sua inter-relação junto a determinados grupos sociais faz o design entrar em um conceito de trabalho a partir do diálogo entre designer e comunidade, permitindo a participação dos membros dessa sociedade no processo projetual e consequentemente na proposta de solução.

Este tipo de proposta se chama de design colaborativo e cria mais um campo de atuação para o designer que não se limita a projetar um produto para empresas reproduzirem, mas também, passa a trabalhar junto com a produção das comunidades e para comunidades. Contudo, não podemos considerar que apenas o planejamento colaborativo com uma comunidade, abastada ou não financeiramente, seja uma modalidade projetual “social”.

O design é um fato social

Segundo Janet Woff, “tudo o que fazemos está localizado em estruturas sociais, e, portanto, é afetado por elas.” O Social é um processo de interação entre os diversos agentes e instituições sociais e o designer não fica a parte desse complexo de interações, pelo contrário, ele se constrói e age em meio às forças ideológicas na sociedade. 

O design é construído por interações e fatores sociais que podem ser comprovados, por exemplo, na área do design gráfico e no design de moda. Nessas áreas, observarmos como vários princípios de elaboração de formas, tidas como ultrapassadas, retornam sucessivamente ao uso, sem que os preceitos vigentes possam abolir os antecessores.

Os problemas de design de um objeto são problemas sociais e não de design. São problemas que a sociedade enuncia e “resolve” conjuntamente. Essa criação nasce da sociedade, que influencia e define a produção de bens materiais e imateriais. Dessa forma, a noção da produção social do design é, portanto mais consciente de sua dimensão de colaboração com os outros, mais crítica que as visões funcionalistas e carismática citadas no início do artigo, buscando entender que a produção social do design trata de analisar como os designers pensam e se inter-relacionam com os elementos do mundo. 

O conhecimento que os designers produzem não se constitui no criador/autor, como acham os carismáticos, muito menos na metodologia de construção do objeto, como acham os funcionalistas,e sim, no que a sociedade considera relevante e adota como uso. Seu valor deve ser um valor social de uso por todos.

A produção social do design é construído de forma colaborativa por uma rede de participantes sociais que auxilia nas escolhas do designer, por isso, essa rede é tão importante quanto o próprio designer ou o objeto de design. O designer continua sendo o responsável pela construção do objeto, porém as questões que devem permear essa decisão deveria mais estar em torno de quem fornece o arsenal crítico que determina essa os objetivos e projetos dessa construção.

O design é “design social”

Na verdade, todo design é essencialmente um design social, já que se constitui a partir das relações sociais, ou seja, a sua prática e os objetos resultantes desta prática somente têm existência como efeito das conexões entre os agentes de um campo de produção simbólica. Sendo assim, o design se institui como atividade projetual pois se estrutura como um espaço social onde a sua permanência se dá pelas regras culturais legítimas de produção.

E como conclui Almeida (2014), a relação entre projetista e usuário no âmbito do projeto são construídos na estrutura social. O Design é uma produção social e por isso, Design Social seria uma redundância. Poderíamos denominar essa orientação profissional como design comunitário.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Marcelo Vianna Lacerda de. Design Social: definição constituída no complexo social. Rio de Janeiro. 2018. Disponível em: <https://estudosemdesign.emnuvens.com.br/design/article/view/595>. Acesso em: 20 nov. 2019.

CIPINIUK, Alberto. Design. O Livro dos porquês. O campo de design compreendido como produção social. Rio de Janeiro. Editora PUC-Rio, 2014.

PAPANEK, V. Diseñar para el mundo real: Ecología humana y cambio social. Madrid: H. Blume, 1977

WOLFF, Janet. A produção social da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

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