Publicitário, designer e fotógrafo. Fábio Haag, de 34 anos, está há pelo menos 14 anos na área de tipografia. Ele, que já teve uma empresa especialista no desenvolvimento de tipografias no Rio Grande do Sul, teve um desafio em 2012: desenvolver juntamente com a agência Dalton Maag a tipografia oficial dos primeiros jogos olímpicos na América Latina.
O Design Conceitual fez uma entrevista exclusiva com o type designer Fábio Haag, que contou mais sobre a sua carreira e o processo de desenvolvimento da fonte que leva o nome dos jogos.
DCon: Primeiramente, como você começou a ficar interessado na área do design e escolheu como profissão? Desde o início da sua carreira você se focou nas tipografias?
Sim, foi natural e inevitável. Minha graduação é em Publicidade, porém, foi o design que sempre me fascinou, em especial a tipografia. Meus cadernos de escola apresentam vários tipos de letras manuscritas diferentes e as últimas folhas são recheadas de rabiscos de letras e monogramas.
Aprendi design como autodidata compulsivo e, na prática, com um pequeno estúdio aqui em Sapiranga, no Sul do Brasil. O design gráfico pagava as minhas contas, mas o meu coração estava na tipografia. Mas, no início, não imaginava que poderia fazer dela uma profissão (vivíamos um mundo muito diferente no começo dos anos 2000).
Um grande marco foi em 2002, quando fiz um workshop em SP com o Bruno Maag, fundador da Dalton Maag. Naquela uma semana de curso, pelo menos para mim, foi como se um novo mundo — embora paralelo e muito próximo das minhas atividades como designer gráfico — tivesse se revelado. Foi o estopim para meu entusiasmo e dedicação séria a tipografia.
Criei a ByType, um braço da minha empresa de design focado em tipografia, tentando viabilizar isso com um negócio. Comecei a dar palestras, cursos e a realizar alguns projetos pequenos, sempre mais pela paixão do que pelo resultado financeiro.
Em 2008, ingressei na Dalton Maag, como designer júnior e sócio da empresa no Brasil. Hoje sou um dos Diretores de Criação global.
DCon: Para você, o que é essencial para que uma tipografia seja definida boa tanto por outros designers quanto pelo público?
Precisamos ter cuidado ao rotular tipografias simplesmente como ‘boas’ ou ‘ruins’. Boa para quê? Um cartaz? Um texto corrido? Para ser usada onde? Em uma sinalização? Em uma identidade corporativa? Em uma revista digital? Tipografias específicas resolvem problemas específicos, portanto, não é justo fazer este tipo de generalização. Fazendo uma comparação com o mundo da moda, o que é melhor: uma camiseta ou traje social? Bem, depende de aonde você irá e a impressão que deseja causar.
Dito isso, porém, há sim como avaliar. Gosto de comparar a tipografia com um relógio analógico: as inúmeras, pequenas e diferentes peças (letras) precisam se relacionar perfeitamente entre si (palavras, frases, parágrafos), para que elas funcionem corretamente (sejam lidos e compreendidos). A atenção ao detalhe precisa ser levada ao extremo e isso requer muito tempo, paciência e um apurado olhar, que somente amadurece com treinamento e com o tempo. Tipografias feitas às pressas ficam evidentes pela falta de harmonia, diferenças de peso e mal espacejamento. A não ser, claro, que esta seja a percepção desejada (voltamos ao que disse inicialmente).
DCon: Como surgiu o convite para você e a Dalton Maag elaborarem a tipografia que seria utilizada nos jogos Rio 2016?
Confesso que não foi nada especial, até chegarmos na primeira reunião presencial – onde descobrimos quem era de fato o cliente! Fomos contatados, cotamos e negociamos através de um estúdio de design sem saber o cliente final. Depois que descobrimos, bah (eu disse sim ‘bah’), foi incrível. Uma alegria do mesmo tamanho do desafio.
DCon: Quanto tempo demorou o processo? Houve muitas possibilidades? E como foi o processo de escolha de apenas uma fonte?
Foram oito meses de desenvolvimento e 23 opções de design testadas até chegarmos no conceito final. Parecia um briefing simples, pois o conceito tipográfico já estava estabelecido, no logotipo Rio 2016, projetado pela Tátil. Porém, é mais difícil do que parece projetar uma fonte completa com base nas poucas letras de um logotipo, onde a combinação de letras é uma só. Em uma tipografia, cada letra precisa funcionar em harmonia ao lado de qualquer outra letra, número ou símbolo.
No caso específico do Rio 2016, cujo logotipo tem uma construção gestual e cheia de energia, cada palavra a ser escrita com a fonte precisava transmitir esta expressividade. Como diferentes tipografias poderiam ser criadas a partir da logo, utilizamos a essência da marca Rio 2016, ‘Paixão e Transformação’, como parâmetro para a escolha do conceito de design vencedor. As letras são desenhadas com um único traço contínuo, sempre que possível, num movimento ágil e fluído, sugerindo os movimentos dos atletas em ação.
DCon: Quais foram as maiores dificuldades até a escolha final da Rio 2016?
Como mencionado acima, o maior desafio foi chegarmos a um desenho tipográfico que funcionasse como um sistema (todas as letras funcionando com todas as outras), o que exige ordem e racionalidade, mas que mantivesse o espírito informal e gestual do logotipo Rio 2016.
DCon: Quatro anos depois da elaboração da fonte, você alteraria algo no projeto?
Não, ele continua 100%. Porém, o seu uso é bem específico: foi projetado para funcionar em poucas palavras e em grandes tamanhos. Mais me preocupa a sua utilização do que o seu design em si. Já vi usos onde o designer da peça aplicou ‘minus tracking’ (reduzindo o espacejamento entreletras).
O que é esperado em fontes de texto quando são utilizadas em títulos, porém, é um grande erro fazer o mesmo numa fonte que já nasceu para uso em títulos e, claro, é manuscrita, com letras se conectando; ao reduzir o espacejamento, todas as ligações perfeitas entre as letras se quebram.
DCon: Como você tem se sentido ao ver seu trabalho fazendo parte da identidade visual da primeira Olímpiada na América Latina?
É fantástico, claro.
DCon: Além de Rio 2016, você fez outros grandes projetos, como o case da tipografia para a Petrobras. Na sua carreira, qual você considera seu melhor trabalho?
Não diria o melhor, mas o que trouxe maiores desafios para serem resolvidos foi, sem dúvidas, este para o Rio 2016. O projeto para a Petrobras também é um excelente case de unificação de uma identidade diluída através de uma tipografia corporativa. É lamentável que o nome Petrobras hoje esteja associado a tantos fatos negativos.
DCon: Passamos por um momento difícil na situação econômica do país. Agora que 2015 já passou, como você enxerga os resultados obtidos no mercado no ano passado?
A nossa realidade na Dalton Maag é diferente pois não dependemos do mercado nacional. Porém, eu tenho conversado com muitos empresários de design do Brasil sobre as suas perspectivas e eles têm sido unânimes: 2016 será um ano para apenas sobreviver. Pensar em crescer, somente em 2017. No entanto, existe uma grande oportunidade aos designers de tipos brasileiros com esta crise: exportar design, devido ao câmbio, está muito rentável.
JOGO RÁPIDO
DCon: Para você, o que é ser designer?
Achei ótimo que você não perguntou o que é ‘design’ (o qual eu não tenho uma resposta satisfatória) mas sim, o que é ‘ser designer’. Sendo um designer, posso dizer que é estar constantemente frustrado ao olhar para os lados ou a interagir com o mundo projetado.
DCon: Uma inspiração e por quê?
Adrian Frutiger, por estabelecer grande parte da nossa prática profissional atual; ele abordou o design tipográfico com um balanço inigualável entre ciência e arte.
Agradecemos ao designer Fábio Haag pela disponibilidade da entrevista em meio ao acontecimento dos jogos.