O “Design Para Vida”, conferência que tem o objetivo de trazer a mensagem do design como transformador social, apresentando maneiras de melhorar a condição de vida das pessoas através do design, começou nesta sexta-feira (26), na EBAC – Escola Britânica de Artes Criativas em São Paulo/SP.
Uma das colaboradoras do Design Conceitual, Renata Santos, participa do evento e traz informações do que acontece nos três dias de evento. As informações desta página são atualizadas conforme ocorre o evento.
Confira os principais destaques do primeiro dia – Sexta-feira, 27/05:
O evento iniciou com o fundador do “Design Para Vida”, Anderson Falcão, que destacou como o design pode contribuir para o desenvolvimento humano e da sociedade por meio da união entre governo, mercado e sociedade. Ele afirmou que isso pode gerar impactos positivos, transformando a sociedade.
“Isso deve ocorrer com a articulação de outras áreas de conhecimento – integração multidisciplinar”.
Enquanto isso, o designer e ilustrador Nemo Sampaio contou um pouco da sua história: Filho de designer, nasceu numa família de criativos. Ele disse que sempre acreditou que um designer deve estar apto a fazer de tudo: de um cartão de visitas a uma aeronave.
Com experiência de oito anos na Azul Linhas Aéreas, onde o design foi utilizado não somente para o visual, mas como ferramenta estratégica para os negócios da companhia. “Passou a ter tamanha relevância e quebrou paradigmas”.
A “experiência azul”, como foi chamada essa estratégia, foi criada totalmente do zero e dentro da empresa, criando assim uma cultura na companhia.
Entre os exemplos de aplicação do design de diferentes formas está o sistema de entretenimento de bordo para voos internacionais, criado pensando desde do light aos heavy users.
Sobre sua experiência profissional, ele citou algumas frases interessantes aos profissionais da área criativa:
“Hábito é armadilha – pensar não é mágica, é prática”, afirma.
Ele também acredita que os hábitos podem deixar passar despercebidos algumas oportunidades, de um melhor design, de inovação… “Deve-se pensar como criança, questionar, ter liberdade”.
“O design precisa alcançar outra esfera e sair da premissa que é só estético”.
Outra participação que marcou a primeira noite foi a da consultora de soluções da Adobe, Ana Laura Gomes. Ela ressaltou o compromisso da empresa com causas. “O design faz parte do DNA da Adobe, que já ganhou vários prêmios por ser especial para os funcionários: diversidade, empoderamento feminino”.
Ana Laura destacou também sobre a importância do design. “O design, quando bem feito e planejado obviamente, sempre é feito para melhorar algo, tornar algo relevante. Investir em design é investir em melhorias”, disse.
Uma pesquisa feita pela empresa nos Estados Unidos também foi apresentada ao público. Chamado de “Estado de Criar”, o levantamento buscou apresentar o impacto da criatividade. De forma geral, os entrevistados acreditam que ser criativo é valioso para a sociedade e alimenta a inovação, o crescimento econômico e até mesmo a felicidade.
Os principais destaques do segundo dia – Sábado, dia 27/05:
O segundo dia da conferência começou com Daniel Goldfinger. Executivo internacional, empresário, ele coordena diferentes frentes de negócio. Como filho de uma atriz, sempre acreditou que os profissionais de área de comunicação exalam sentimentos, pois trabalham com a emoção.
Sobre o tema da conferência – design como agente de mudanças – falou que é importante fazer com quem não é da área possa entender isso, pois o mercado age com muito pragmatismo – o dia a dia, a vida que levam, fazem as pessoas só escolherem o que é bom pra si.
Alguns desafios para essas mudanças de paradigmas foram citados pelo executivo:
1- Educação: educar as pessoas para estarem preparadas as nossas mensagens e saberem que também podem participar das mudanças;
2- Convidar à reflexão: falar de coisas que mexem com as pessoas, que tocam os sentimentos, que trazem alguma preocupação. Deixar claro com resultados de coisas que elas já vivenciaram. Se não pegar as pessoas pela razão, pega pela emoção. Não pode deixar de lado os aspectos sentimentais das pessoas.
3- Oportunidades: apresentar os projetos de design de forma personalizada, de acordo com o perfil de cada pessoa. Para ser um agente de mudanças, tem que falar no “idioma” do interlocutor, para ele perceber a mensagem que recebeu da melhor forma.
Daniel Goldfinger, também apresentou alguns cases de sucesso da sua carreira, onde o design foi o grande destaque dos projetos:
Skol Pit Stop – Ambev
Ideia de quiosque contêiner para eventos que se transformou em modelo de negócios para franqueados.
Excelsa – Castanha do Brasil
O diferencial no projeto foi a experiência da vivência na região onde tem a produção das castanhas, o entendimento nas pessoas que vivem lá, como são, o que sentem, para encontrar a identidade da empresa.
Através de um workshop com crianças locais, que entende o sentimento da região onde vivem, saiu o conceito do logotipo. Duas castanhas que formam um coração.
Inovacold
Totem refrigerado para pontos de venda, expondo os produtos (bebidas) de forma mais acessível a todos. Inclusive a cadeirantes, já que não precisa abrir a porta da geladeira.
“As pessoas estão mais abertas a gerar mudanças quando são tocadas no sentimento – conquistar com o coração.”
Por fim, ele afirmou que acredita que não é possível mais para defender projetos que não são defensáveis no âmbito sócio ambientais. Isso não vai tocar no coração das pessoas. Não aprovam projetos somente com números e resultados.
“Nossas escolhas são sementes. Saber escolher melhor, vai trazer melhores resultados”, finalizou.
A segunda palestra do dia foi com o designer e professor universitário curitibano Ricardo Martins. Ele iniciou sua palestra citando uma pesquisa sobre coeficiente de inovação nas empresas, onde entre 128 países no mundo, o Brasil se encontra no 1000 lugar. O primeiro lugar é da Suécia. Apenas 0,3% das empresas brasileiras inovam nos seus modelos de negócio, enquanto na China, um país muito conhecido pelas suas tradições fortes, 43% das empresas se arriscam em inovações.
Ele também comentou que o Brasil inova pouco, resultado de pouca execução de projetos. O principal problema está na execução das ideias, segundo Ricardo. “Usam muitas ferramentas para o planejamento, mas não encontram apoio para a implementação das ideias. Já que a execução não depende somente do designer, mas também do interesse das organizações no projeto e de todas as pessoas dessa organização”.
Outro ponto relacionado à resistência da inovação no país e as consequências que trazem as inovações: “Melhorar algo gera ansiedade, inseguranças, medos… e esses aspectos, mexem com a saúde mental das pessoas. Por isso as pessoas criam resistência às mudanças”, afirmou.
Outro problema apresentado por Ricardo Martins foi que, durante o planejamento de um projeto de design, não é previsto que a rotina da empresa continua acontecendo. E com isso podem haver mudanças que não serão contempladas no planejamento, consequentemente também na execução.
Para evitar a resistência e os conflitos na implementação dos projetos de design numa corporação, ele dá algumas dicas:
1 – Trazer as pessoas para dentro do projeto, faça com que todos participem;
2 – Se alguém for perder algum poder ou função com as mudanças. Mude a função dessa pessoa para manter a influência da pessoa;
3 – Se comunique com cuidado quando. A comunicação é a principal ferramenta de poder.
“Entender as pessoas não como consumidores, mas como pessoas.”
A terceira palestra foi com Cleomar Rocha, professor e pesquisador da Universidade Federal de Goiânia. Criador do Media Lab/UFG.
Ele apresentou o projeto da cidade inteligente em Aparecida de Goiânia/GO, vencedor do Prêmio Inova Cidade 2017. A iniciativa transformou a cidade com o pensamento de que a cidade é feita para o exercício da cidadania e de como gerar essa experiência de estar em uma cidade, verificando quem são os usuários (os cidadãos dessa cidade) e como o design poderia se aproximar.
Ele comenta que os espaços urbanos das cidades são pensados e planejados somente para passagem, mas não para convivência e compartilhamento. “Os projetos de design precisam permear essas questões de compartilhamento”, diz.
E é por meio desse tipo de experiência, que contempla as premissas das formas de se relacionar das pessoas, seja tendo alguma utilidade, ou colaborando com a auto realização, que o compartilhamento é bem aceito. “E assim acontece o estímulo para a socialização nas cidades. Dando acesso e permanência nos espaços urbano. Pensar os projetos com outras pessoas, e não para outras pessoas”, finalizou.
A quarta palestra foi com Gabriel Portela, gestor cultural, que atualmente lidera a área de novos negócios da SPCINE – Empresa de Cinema e Audiovisual da Cidade de São Paulo.
Gabriel abordou o design nas políticas públicas, que, segundo ele, precisam da participação social para serem implementadas. Foi assim que surgiu a Spcine, criada a partir de debates de políticas de cinema e audiovisual com pessoas e empresas do setor, assim como contando com parcerias dos Governos Estadual e Federal.
“Tem as diretrizes de gerar inovação, criatividade e acesso; desenvolvimento econômico; integração e internacionalização”, conta.
Curiosidade: Foi por meio da Spcine, no setor que facilita as negociações para trazer filmagens para SP, que ocorreu a parceria com a Netflix na filmagem de cenas para a série Sense8 na Parada LGBT de São Paulo.
A Spcine mantém 20 salas de cinemas em locais onde a população não tinham acesso a cinemas, fazem mostras culturas e exibição de filmes comerciais para o entretenimento de todos.
O segundo dia terminou com Florencia Ferrer, especialista em inovação em políticas públicas.
Segundo ela, a inovação só acontece quando se erra. “É um ciclo de erros e acertos até chegar na inovação”. No setor privado, a inovação é o motor para se permanecer no mercado, enquanto no setor público isso é mais complicado, pois precisa-se de tempo, que é escasso no setor público. “Muda-se de governo de 4 em 4 anos”.
Florencia também comentou que as mobilizações sociais são importantes para haver as mudanças sociais. Entretanto, muitas dessas mobilizações são sobre o que a sociedade não quer, mas também não sabem dizer o que querem. E isso acaba levando muito tempo.
“Isso faz com que as políticas demandem de novos tipos de elaboração, de acordo com as lógicas e tecnologias disponíveis hoje. E os processos antigos, eliminados”, afirmou.
Por último, citou cases onde as compras públicas devem criar estratégias de acordo com a realidade de cada região para fomentar o mercado local, incentivando a economia da região e melhor a vida da população.
Os principais destaques do último dia – Domingo, dia 28/05:
O último dia da conferência começou com Christian Ullmann, designer argentino especialista em design para sustentabilidade.
Ele abordou temas como o capitalismo consciente, que tem a possibilidade de acabar com a pobreza mundial e o que nós como designers temos que fazer nesse novo mundo, repleto de tecnologia e com pouco tempo disponível.
“O design que apresenta alternativas na hora certa, com as pessoas certas e no contexto ideal, pode ser uma boa solução”.
Ullmann apresentou também seus projetos da Oficina Nômade, na Amazônia e nos Andes, onde há o desenvolvimento de trabalhos feitos com madeiras residuais, criando produtos com a identidade da cultura local e feitos pelas pessoas da região.
Christian ainda falou sobre a importância da valorização da cultura local e de entender que o tempo da comunidade é diferente do nosso. “É fundamental que o processo de produção aconteça de acordo com o tempo e capacidade produtiva da comunidade. O importante não é fazer para eles, mas fazer com eles”, conta.
A segunda palestra do domingo foi via Skype com o designer português Antônio Cruz, responsável por projetos de design voltados para a comunidade e estímulos da economia local, como o Aldeias de Montanha.
“As ideias nascem de outras ideias”.
O projeto partiu da análise de quais cadeias produtivas tem possibilidades de crescimento nas aldeias. Tendo a ver com a cultura local, matéria prima disponível na região e capacidade de produção da população. E que também tenham possibilidades de gerar inovação e estimular a economia local.
Então, percebeu-se que é possível criar um produto com características de design atual e contemporâneo, adequados ao mundo atual, mas mantendo a tecnologia, cultura e matéria prima local.
“Deixaram de fazer cestos de vime para fazer produtos de design atual e contemporâneo”
A terceira palestra do dia foi com a arquiteta e designer Andrea Macruz, do estúdio Nolli, que trabalha com projetos que exploram a parte sensorial do design e também inspirados na natureza.
Ela destacou a importância em aumentar a ligação significativa do produto com o consumidor, pois há uma necessidade de uma economia mais altruísta, com menos preferências pessoais e contribuindo mais com o mundo.
Além disso, mostrou vários dos seus projetos, que são luminárias, móveis e objetos de decoração inspirados em elementos da natureza, como água viva, conchas espiraladas e rodamoinhos. Tem um resultado moderno, diferente e com custo acessível, já que viabiliza a produção de forma sustentável. Está sempre em busca de novos materiais, tendo a possibilidade de mesclar o artesanato com tecnologia.
Para fechar a conferência foi a vez de Beatriz Luz, engenheira, e Karen Cesar, designer. Elas falaram da importância da Economia Circular.
Atualmente, os designers criam diversos produtos, embalagens, entretanto, não se preocupam com o fim desses produtos. Segundo a dupla, isso gera um grande acúmulo de resíduos, aumento da poluição, lixo nos oceanos, entre outros problemas.
“É importante já projetar o produto de forma que ele seja fácil de descartar e não precisar de reciclagem. Com isso há uma grande tendência a produtos modulares, reaproveitáveis e mais duráveis”, destacaram.
As profissionais também mencionaram a importância de repensar no processo produtivo, no design, nos materiais; construir parcerias e colaboração com equipes multidisciplinares, pensando juntas para criar novas soluções; gerar valor na criação do produto, para criar relação e mostrar um propósito ao consumidor.
“O consumidor atual quer uma experiência, com uma nova proposta de valor”, finalizou.
Confira as imagens da última palestra:
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Nota especial: esta cobertura foi realizada de modo colaborativo entre a designer Renata Santos, colaboradora do site, que se disponibilizou a participar do evento, e o jornalista Eduardo de Moura Guedin, que instruiu por meio da internet a coleta de informações.