Entrevistas

“Precisamos de honestidade, ética e respeito”: entrevista com Morandini

Confira a entrevista exclusiva que fizemos com o designer e ilustrador Morandini

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Morandini criou um estúdio em São Paulo aos 22 anos e desde então segue na carreira criativa (Foto: Arquivo Pessoal).

Se você está presente em grupos nas redes sociais, provavelmente já leu alguma publicação ou ouviu falar no designer, artista gráfico e ilustrador Morandini. Com 30 anos de carreira e de criação do seu próprio estúdio em São Paulo, ele constantemente traz opiniões e observações sobre a nossa área, inclusive aqui no Design Conceitual.

Conversamos com ele para conhecer sobre a sua história e experiências, perspectivas de mercado e as percepções dele sobre a profissão.

Vindo de uma família de imigrantes italianos, em que seu avô por parte de pai era sapateiro e, por parte de mãe, mecânico de máquinas industriais, ele abriu um estúdio de ilustração e design aos 22 anos. Seu pai era pintor e desenhista amador e, apesar de nunca ter trabalhado nessas áreas, era um profundo conhecedor de anatomia, estética, cores e tipografia, diz Morandini.

“Tive os primeiros contatos com o mundo visual por intermédio dele. Muitas das coisas que ele ensinou, acabei vendo na faculdade muitos anos depois. Ele morreu quando eu era muito jovem, mas foi meu grande professor e mentor”, conta.

Desde muito pequeno, Morandini tinha o gosto por desenhar e de descobrir como tudo funcionava. A partir disso, na adolescência, fez um curso técnico de desenho mecânico, seguido do curso de edificações. Em seguida, começou a trabalhar na área de instalações de vidros para arquitetura como desenhista projetista e, paralelamente, fazia alguns trabalhos de criação de marcas gráficas e ilustrações.

“Tudo muito amador e sem grandes conhecimentos dessas áreas, mas com muito interesse por elas”, relembra.

A partir dessas primeiras experiências, sua trajetória no design foi escrita até chegar ao atual ponto da carreira.

Confira a entrevista completa:

DCon: Como foi a sua entrada no mercado do design e em qual ano?
Concluí a primeira faculdade em 1985, no mesmo ano em que abri o estúdio, com 22 anos. Hoje, vejo que era absolutamente inexperiente, mas investi muita energia para que as coisas acontecessem e dessem certo.

DCon: Você sempre trabalhou na área de ilustração?
Sou apaixonado pela força das imagens. Acho seu poder de comunicação fantástico e, de certa forma, universal.

‘Não ligo muito para rótulos, se sou ilustrador, designer ou outra coisa qualquer’, ressalta.

Caminho permanentemente numa espécie de fronteira entre design e arte, tendo uma enorme dificuldade para identificar onde começa um e termina o outro.

Trabalho feito pelo profissional (Foto: Reprodução).

Dessa forma, seja criando uma marca gráfica ou uma imagem para um produto, publicidade ou espaço, o desenho sempre está presente de alguma maneira. Mais do que um ilustrador na concepção mais tradicional da palavra, acho que sou um criador de imagens.

DCon: Quais foram as dificuldades na abertura do seu estúdio há três décadas atrás?
Como todo início, o primeiro desafio foi o de prospectar clientes. Vencer a inércia dos primeiros anos requer uma boa dose de otimismo e energia.

‘Há 30 anos, o design era muito menos conhecido do que é hoje. Isso exigia um trabalho de ‘catequização’ dos clientes que tinham pouca noção do que um designer fazia’.

As instabilidades econômicas e políticas do Brasil sempre foram o maior obstáculo para se empreender aqui. Somado a isso, vivíamos um período de inflação astronômica que tornava tudo ainda mais complicado e penoso.

DCon: Como você fez para acompanhar as tantas mudanças de mercado e tecnologia nesse período?
No início, tudo era feito de maneira absolutamente artesanal. Era preciso ter domínio artístico, saber desenhar à mão e ter ótimo conhecimento de artes gráficas para saber o que era possível e o que era inviável. A mágica acontecia, mas dentro de um ambiente muito limitado, se comparado às facilidades que as tecnologias de hoje possibilitam.

Migrar para o mundo digital foi um processo gradativo. Comprei o primeiro computador para o estúdio logo que essas máquinas começaram a aparecer no mercado. Grande parte das empresas de fotolito, impressão e outros fornecedores fizeram essa migração num ritmo mais lento. Esse processo gerou uma cadeia de aprendizagem onde a troca de informações era muito intensa e positiva.

A maior mudança, porém, foi o surgimento da internet comercial, que não só facilitou o acesso para outros mercados como abriu portas e agilizou a obtenção e a troca de conhecimento.

Sou apaixonado por tecnologia, mas ainda hoje guardo uma particularidade dos tempos pré-digitais: todos meus projetos nascem dos muitos desenhos e esboços que faço antes de ir para o computador.

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Morandini em uma de suas palestras (Foto: Arquivo Pessoal).

DCon: Ser designer empreendedor para você é?
Do ponto de vista corporativo, não vejo muita diferença entre empreender como designer de outra atividade qualquer. Empreender exige desprendimento, paixão e, mais do que tudo, paciência.

‘O design vive um boom mundial. Se por um lado isso acirra a concorrência, por outro é muito positivo para que nossa área ganhe visibilidade e a profissão tenha voz e representatividade’.

Sou formalizado desde o primeiro dia de atividade: 1º de outubro de 1985. A carga tributária e demais encargos são injustos para um pequeno estúdio como o meu. As novas políticas de incentivo como o MEI e o Empreende Fácil (Cidade de São Paulo) são uma luz que espero ver brilhando cada vez mais.

O modelo de trabalho que vivemos hoje não se sustentará por muito mais tempo. Em razão disso, é preciso que cada vez mais sejam revistas e ampliadas as facilidades para que o empreendedor possa ter mais espaço, seja no setor do design ou em qualquer outra atividade.

Alguns países têm feito coisas nesse sentido e espero que isso contamine cada vez mais as nações mundo afora.

DCon: Em uma de suas publicações, “Inspiração é coisa de amador”: “Designers não são poetas parnasianos que saem em busca de inspiração nos amores não correspondidos ou no voo errante da libélula”, você afirma que não acredita que designer tenha que ter inspiração, mas sim muito trabalho. Por quê você acredita nisso?

O designer trabalha com prazos, metas e resultados. Não podemos nos dar o luxo de esperar a inspiração aparecer para que as coisas aconteçam. Do outro lado existe um cliente ávido por uma resposta e essa resposta tem de ser excelente. Dentro desse cenário, não sobra muito espaço para que fiquemos esperando pela inspiração. Temos de trabalhar duro em busca do resultado dentro do prazo acordado.

É claro que não estamos falando de uma profissão que possa ser realizada no modo automático. A atividade do designer é intelectual. Dependemos de uma dose enorme de sensibilidade diariamente. Dessa forma, acho importantíssima a criação de um ambiente altamente inspirador para se trabalhar. Além disso, é fundamental que abasteçamos nosso arsenal criativo com sensações, estímulos e referências vindas das mais diversas fontes, seja das prateleiras de um supermercado, de uma viagem, de um show, de uma exposição, de uma leitura ou de uma obra de arquitetura.

DCon: Você afirma que não há inspiração, mas tem uma referência profissional?
Minhas referências costumam vir de vários lugares e profissionais, nem sempre ligados ao design.
O arquiteto catalão Gaudí é um deles.

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Obra do arquiteto Gaudí (Foto: Reprodução/Shutterstock).

Acho que foi um dos maiores gênios criativos da humanidade. Além de utilizar métodos pouco ortodoxos em seus projetos, era um homem ligado ao ato de fazer, de construir e usar as próprias mãos para dar vida à sua imaginação.

Também gosto muito de arte rupestre, onde tudo começou. O homem das cavernas não tinha referências, recursos materiais ou condições mínimas para produzir arte. Os trabalhos que produziram naquele período me fascinam.

Além disso, busco referências nas formas da natureza, na arte aborígene australiana, em Pablo Picasso, em Miró e na arquitetura.

DCon: Nestes anos de carreira, quais foram os seus melhores trabalhos na sua opinião?
Falar que cada trabalho é especial e único pode parecer clichê, mas não consigo começar um projeto sem me envolver profundamente com ele. Por este prisma, poderia afirmar que todos eles são especiais. Mas é claro que existem aqueles que deixam as lembranças mais sublimes.

Gosto muito de me envolver no projeto de maneira integral. Há alguns anos, trabalhei no desenvolvimento da identidade visual de uma sorveteria bastante conhecida de São Paulo. Apesar de ser um projeto de design, todo o trabalho foi integrado, da arquitetura até o uniforme dos funcionários, site e decoração. Este tipo de integração é muito gratificante para o designer e normalmente oferece excelentes resultados ao contratante.

DCon: Que dica você dá a designers iniciantes?
Façam back-up! (risos). Cedo ou tarde, cada um descobrirá seu próprio caminho. Não há muito o que direcionar ou conduzir. Cada um descobrirá suas próprias verdades e sua própria maneira de desbravar o mundo do design.

‘Acho importante buscar algo que de alguma forma provoque paixão’.

Não uma paixão qualquer, uma paixão arrebatadora que te faça querer estudar e aprender. Uma paixão que te faça gostar de trabalhar sem olhar para o relógio ou para o dia da semana. E, sobretudo, uma paixão que faça com que você não desista e morra tentando!

‘Mas fazer back-up ainda é a melhor dica’.

DCon: Como você analisa atual cenário do design brasileiro?
Esse cenário ainda está sendo construído. Estamos pavimentando a estrada e não temos ainda muito claro para onde estamos indo ou onde vamos chegar. O design é uma atividade muito recente. Cheira a leite e a talco. Não temos uma cara muito definida, mas estamos moldando nossa identidade aos poucos e consolidando nossa participação nessa grande colcha de retalhos do design mundial.

DCon: O que os profissionais da área poderiam fazer para melhorar?
Hoje, mais do que nunca, penso que precisamos de honestidade, ética e respeito. Caminhar na contramão do que tem acontecido no país e fazer prevalecer algo correto, que não dê espaço para aquilo que não for bom.

Brigar pela excelência e pelo justo. Praticar valores dignos e gerar valor para a sociedade. Ao invés de lutarmos apenas pela regulamentação profissional, lutarmos pela nossa regulamentação pessoal, estabelecendo limites, impondo critérios de qualidade e policiando incansavelmente nossa forma de pensar. Dar espaço ao diálogo sincero no lugar de impor.

DCon: Quais suas perspectivas para o futuro da área?
Acho que o design é uma ferramenta poderosa para a transformação do mundo. Não falo do design formal mas sim da mentalidade de designer que todos podemos ter em algum nível.

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(Foto: Arquivo Pessoal).

“Nesse sentido, penso que o design ocupará cada vez mais espaço nas empresas, nas relações e na sociedade”, finaliza.

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